sexta-feira, 29 de maio de 2015

Reencarnando como bacon







Dia desses recebi uma mensagem anônima “conclusiva” sobre o Dharma hindu. Pelo tom sumário da reprimenda, fiquei tentado a reencaminhar o “ask” à comunidade dos brâmanes, aconselhando que fechassem de vez o boteco e entregassem aos cristãos, tomistas de preferência. Caio Rossi e Sidney Silveira pra presidente e vice. 

Segundo meu interlocutor, não havia qualquer escapatória. Ele leu com diligência católica as críticas de Guénon e Coomaraswamay à reencarnação de tipo espírita, e cotejou pacientemente com diversos textos clássicos da Índia.

O resultado não deixava dúvidas: vários textos sagrados hindus tendiam sim ao reencarnacionismo do tipo mais grosseiro possível, antecipando historicamente as presepadas de Kardec. Segundo o sujeito, a inglória tentativa guenoniana de distinguir a ideia moderna de reencarnação dos conceitos tradicionais de “metempsicose” e “transmigração” não lograva êxito em todos casos. Não obstante alguns textos aparentarem ocultar sob as imagens fantásticas um sentido esotérico e superior, outros não deixam divisar nada além de superstição bárbara e demoníaca. Para ilustrar sua conclusão, o druida de internet citou trechos védicos que desaconselham a prática de atos pecaminosos, sob pena de reencarnar como cachorro ou árvore ou porquinho na casa de um shudra.         

 De uma vez por todas, e da forma mais simples e resumida que eu consigo, sem recorrer à “terminologia bárbara”, gostaria de tentar explicar o que um hindu quer dizer quando ele diz “fulaninho reencarnou como cachorro”.

O ser humano é um todo unificado de três "camadas", (e uma quarta ainda, que constitui sua raiz absolutamente transcendente, da qual não nos ocuparemos aqui).    

Das três camadas do fenômeno humano (corpo, alma e espírito), as duas primeiras estão fadadas a dissolver-se após a morte. O corpo, tão logo o prana ou sopro vital deixa de fluir pelos nadis, entra em uma espiral rápida de desintegração. Em pouco tempo, apenas os ossos jazem sob a terra. Mais um pouco de tempo e esses também desvanecem.   

Os elementos da psique também se dissolvem após a morte, muito embora esse processo não possa ser medido em escala humana de tempo. Por esse motivo diz-se que a psique se dissolve “indefinidamente”, e isso, meus amigos, é precisamente o que o cristão chama de inferno.         

Pois bem, findo o processo de desintegração dos elementos psicofísicos que compunham aquele sujeito em particular, resta o elemento permanente do composto, o espírito ou inteligência. 

E é precisamente aí que reside o pulo do gato dessa história de reencarnação: ao contrário de uma pedra ou de um cachorro, a inteligência não tem “forma própria”. Isso é estritamente necessário já que o ato da inteligência é justamente o de captar a forma essencial das coisas, de tudo o que é cognoscível. Pode-se dizer então que a inteligência tem a forma daquilo que ela compreende efetivamente.     

O sujeito, após o processo de morte do corpo e da psique, torna-se precisamente aquilo que ele compreendeu em vida.  Se ele, durante a vida, entendeu apenas a forma de um bode preto, ele será espiritualmente um bode preto após a morte.        

Não é difícil perceber que a “vida após a morte” ou a “imortalidade da alma” só é possível para quem tenha compreendido a si mesmo em vida. A alma só é imortal na medida em que ela é compreendida pela inteligência, já que esta é a única que perdura após a morte. Perceba que, dessa perspectiva, o apelo ao autoconhecimento não parece apenas um slogan hippie ou new age. Trata-se da própria salvação da alma ou psique.     

Dito isso, fica mais fácil entender o que pretende dizer um “bárbaro oriental” ao afirmar que fulano reencarnou em um coelho.  Se o horizonte de inteligência do sujeito, movida a operar simplesmente por suas inclinações animais, não ultrapassou a compreensão de formas exteriores como a de um coelho ou porquinho, certo que é que após a morte, a inteligência do sujeito terá efetivamente a forma daquele coelho ou porquinho.

Então, como não dizer que, da próxima vez que nascer um bacon, ele será a reencarnação daquela inteligência de porco, ou literalmente, o “espírito de porco” daquele que morreu??       


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