domingo, 14 de junho de 2015

Simbolismo no Jardim das Delícias - Primeira Parte


Gostaria de compartilhar com os confrades a primeira de uma série de notas sobre o célebre tríptico “Jardim das Delícias” do pintor medieval de influência alquímica, Hieronymus Bosch. 

Trataremos primeiramente do primeiro painel, mais especificamente da parte superior do primeiro painel do tríptico.

Uma das chaves mais importantes para a compreensão simbólica da obra é a utilização das cores azul e rosa pelo pintor. O rosa, cor quente e interior, nesse contexto,  simboliza as influências celestes.  O azul, externo e frio, representa as energias terrestres. 

Não por acaso, o manto do Cristo e a bela fonte do Jardim, figuras centrais do painel, apresentam uma suave cor rosa. O rosa é cor esotérica por excelência nas tradições devocionais hindus. 
Sobretudo os sanyassis de linhagem bhaktica usam vestes rosas ou alaranjadas para representar a absorção progressiva em prema, o amor divino.   

O uso das figuras animais também não é casual, obedecendo o pintor ao sentido profundo dos famosos bestiários medievais. Brevemente, cumpre notar a presença de animais sagrados e de alta nobreza, localizados em geral nas partes superiores do quadro: pássaro, elefante branco,  unicórnio,  urso,  coelho.  Por outro lado, percebe-se a presença de  animais inferiores, rastejantes, impuros e híbridos, em sua maioria localizados nas instâncias inferiores do painel.

Em seguida, observa-se na parte superior do quadro uma série de montanhas de estranha arquitetura, quase surrealista. A primeira delas, em primeiro plano, é feita de pedras intricadas, e permeada de pássaros em movimento ascendente. Trata-se do elemento mais alto do quadro, uma montanha divina, volteada de animais sagrados, energias divinas voltadas à fonte do Ser.   Mais ao fundo, nota-se uma série de três montanhas azuis, compondo um genial resumo do mundo criado.





A primeira dessas três montanhas azuis, mais próxima da montanha da divindade, é ela mesmoa repleta de animais de cores celestiais e pérolas incrustadas. Trata-se muito provavelmente da realidade angélica, Olam Ha Beriyah, o plano das águas superiores.  

A segunda montanha, um pouco mais distante, conta com um número bem menor de pássaros pousados, nenhum deles apresentando cores vivas e quentes. É curioso notar a presença nessa montanha de um signo redondo encimando um eixo que aponta para para baixo. Em comparação com a figura lunar da árvore seguinte, parece tratar-se de uma representação solar. A estaca apontando para baixo parece indicar justamente o plano imediatamente inferior à esfera do Sol, Yetsirah, as águas inferiores ou astrais.     


A última das três montanhas azuis não possui nenhum pássaro, muito embora existam árvores para recebê-los, o que denota o seu potencial de receptividade. Curiosamente, essa terceira montanha é duplicada, indicando o mundo da dualidade, da matéria. O símbolo da lua brilhantemente colocado por Bosch na parte superior da figura não deixa dúvida de que a montanha faz referência ao mundo sublunar, Asiyah.

Encerra-se assim essa espécie de prólogo da obra, uma verdadeira síntese cosmológica e metafísica similar ao esquema da arvore sefirótica judaica.





       

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