"O Senhor da Forma refere-se à perseguição neurótica do conforto físico, da segurança e do prazer. Nossa sociedade altamente organizada e tecnológica reflete nossa preocupação em manipular o ambiente físico de modo a nos salvaguardar das irritações provenientes dos aspectos crus, rudes e imprevisíveis da vida. Elevadores acionados por botões de comando, carne empacotada, ar condicionado, privadas com descarga de água, velórios particulares, planos de aposentadoria, produção em massa, satélites meteorológicos, máquinas de terraplenagem, luzes fluorescentes, empregos das nove às cinco, televisão — tudo são tentativas de criar um mundo controlável, seguro, previsível e prazeroso.
O Senhor da Forma não significa as situações de vida em si que criamos para serem fisicamente ricas e seguras. Refere-se, antes, à preocupação neurótica que nos impele a criá-las, a tentar controlar a Natureza. O ego ambiciona assegurar-se e entreter-se, buscando evitar toda e qualquer irritação. Desse modo, agarramo-nos aos nossos prazeres e propriedades, tememos mudanças ou forçamos mudanças, tentamos criar um ninho ou um playground."
(Chogyam Trungpa, Além do materialismo espiritual)
Proponho
nesse post uma reflexão sobre a Internet a partir do simbolismo dos "Três
Senhores do Materialismo", utilizado no Budismo Tibetano e citado por
Chogyam Trungpa no trecho acima. Segundo o autor, esses três senhores são o
Senhor da Forma, o Senhor da Palavra e o Senhor da Mente. No mundo de hoje, o
primeiro Senhor se manifesta principalmente em nosso busca neurótica por
conforto, comodidade, segurança e prazer.
Atualmente,
a Internet talvez seja a melhor forma de observar a atuação do Senhor da Forma:
compramos de tudo com um toque de um botão, manipulamos imagens com photoshop, nos escondemos atrás de um
teclado para emitir opiniões que jamais falaríamos em público, criamos amizades
superficiais que só existem on line,
temos acesso a todo tipo de prazer instantâneo e por aí vai. A atratividade
desse ambiente virtual é exatamente e a segurança e o poder que ele proporciona:
nos sentimentos seguros, livres da imprevisibilidade, dos riscos, das tristezas
que a vida real proporciona:
A
consequência disso é que criamos um mundinho hermeticamente fechado, no qual somos todo-poderosos. O Senhor da
Forma dá uma sensação de poder ao homem, tornando-o um deus. É uma espécie de
divinização ao contrário: se todas as tradições espirituais e religiosas falam
que o homem pode se divinizar porque, de alguma forma, participa da natureza
divina, o Senhor da Forma torna um homem um deus porque faz a vontade humana
ser a medida de todas as coisas. Achamos que o mundo gira em torno de nosso
umbigo, que tudo deve se dobrar à nossa vontade porque podemos fazer de tudo apertando
um botão.
Por isso, a única
maneira de escapar das ilusões do Senhor da Forma é recusando essa divinização
ao contrário. Usando um simbolismo cristão, é necessário uma kenosis (esvaziamento): se Cristo, sendo
Deus, não quis ser reputado como Deus, mas assumiu a forma de servo e aceitou a
cruz, nós devemos também renunciar à divinização do nosso ego para aceitar a
realidade tal como ela é, e não como o Senhor da Forma nos apresenta. Ao invés
de buscar a assepsia do mundo virtual para evitar aquilo que não gostamos ou
não queremos, devemos aceitar essas situações como sinais saturninos que Deus
nos envia para refletir sobre nossa própria condição. Somente assim é possível
sair do nosso mundinho particular e nos abrir para o Infinito.
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